E, de todos os lugares onde ele poderia estar, ele habita o único do qual não posso tirá-lo sem matar parte de mim.
Sob minha pele, em meu peito dolorido, em meu sorriso partido…
Ele está em mim.
Ele está em meus travesseiros que, teimosamente, insistem em manter seu cheiro, impregnando meu quarto impedindo constantemente aquilo que chamo de meu exorcismos de sentimentos.
Ele continua aqui mesmo quando as luzes se apagam e quando toda a conversa distraída dos meus amigos – que, por culpa dele, já não me distrai – já se foram. Ele deita ao meu lado na cama e me observa dormir, zombando da minha tentativa de manter meus sonhos do lado de cá da linha que o toca em minha mente.
De manhã ele atravessa a rua de mãos dadas comigo e rugi como se se importasse a cada vez que eu olho com mais atenção para um estranho na rua na esperança de que esse alguém possa me tirar disso, dele… de nós.
Me acompanha até o trabalho e fica ali, me olhando ao lado da minha mesa me fazendo perder contas, ligações importantes, me fazendo perder o rumo… como sempre.
Ele rosna um ‘não’ quando meu celular toca e quando eu atendo, um pretendente arranjado por uma das minhas amigas bem intencionadas, me chama pra sair. E eu ecoo o ‘não’ dele porque não seria justo olhar nos olhos desse cara que soa tão gentil ao telefone, procurando por ele.
Quando voltamos pra casa, ele não me oferece seu casaco quando aperto minha jaqueta insuficiente contra o corpo nessa fria noite de inverno. Ele não abre a porta pra mim nem me diz que eu fui muito bem naquele projeto que tive que apresentar hoje…
E eu me pergunto porque, em nome de Deus, eu me apaixonei por esse cara?
Mas, ai eu me lembro para não me permitir enlouquecer, que ele é só uma ilusão minha. Que o verdadeiro ‘ele’ está por ai possivelmente entre os braços de outra garota e não daria a mínima se eu tivesse dito sim mais cedo, para o cara gentil ao telefone. Que não teria me acompanhado até o trabalho porque ‘tinha coisas mais importantes a fazer’, que não estaria olhando pra mim daquele jeito como a ilusão está olhando agora quando eu tranquei a porta de vidro da minha mente entre nós, como se se importasse. Provavelmente ele só daria meia volta e acharia outra garota que aceitaria uma ligação ocasional, um encontro curto demais e promessas quebradas ao amanhecer.
Mas, não a minha ilusão… quer dizer, me iludir é uma coisa que sei fazer. Não. Ele está me olhando como se soubesse que vou chorar até dormir e como se isso o partisse ao meio. Ele me olha como se odiasse seu ‘eu original’ por fazer isso comigo.
Ele me olha… e me pede silenciosamente para que eu o deixe ocupar o lugar vazio da minha cama com seu corpo ilusivo. Ele pede para que eu deixe que seus braços ilusivos me envolvam até que eu durma e que sua voz ilusiva me prometa que seu ‘eu original’ vai perceber que está perdendo a única pessoa que poderia ama-lo com a entrega que o amor exige.
Então eu o deixo entrar prometendo a mim mesma que esse é o último dia ilusivo que vou me permitir ter.
Que vou abrir as janelas amanhã, e sacudir a poeria que tenho carregado nessas duas semanas.
Vou olhar mais atentamente para estranhos só no caso de alguém estar me procurando também.
Vou deixar que as ilusões morram para que eu possa sobreviver.